domingo, 5 de julho de 2009

Mais um...

Mais um fruto da disposição que toma conta de mim antes de dormir. Incrível. Ela só não tem sido muito eficaz.

Mar e Ana

Vem cá, menina, não chore. Deixe-me ver seu rosto. É, você é linda chorando. E feliz? Vai me dar a chance de descobrir?

Hum?! Isso foi um sorriso? Não escutei o que você disse. Tome coragem, bote pra fora o que a incomoda. Não quer contar?

Então vem comigo, me dê a mão. Vou mostrar o mar pra você.

Pode vê-lo? É claro que pode. O que achou? Pensando bem, não serei precipitado. Encare-o por um tempo, e aproveite para falar da sua angústia.

Entendo bem. É, sim, compreendo o que quer dizer. Agora, pegue este lenço e enxugue o rosto que, apesar de tudo, eu já estou ficando nervoso de ver seu rostinho assim.

Certo, pronto. Moça... Moça? Não, espere... Seu nome? ... Ana? Bonito. Mas que absurdo, Ana, veja só: fui saber antes o nome dos seus problemas que o seu próprio. Injusto, injusto.

Mas sabe, Ana... Que complicado! Como vou explicar? Não há como você saber se você está certa. Não há provas. Na verdade, querida, não há provas de que exista ou não qualquer prova. Percebe a gravidade das coisas? Não há uma forma eficaz e indubitável de chegar a qualquer resposta. O fundamento dos nossos pensamentos é a ignorância!, o complexo ignorar de tudo que não nos é tangível. Aí está: nada é tangível.

Nós somos personagens de um livro. O que personagens podem saber da verdade? Nada! Nunca vão ter uma visão além das páginas. Então por que se perturbar com algo sem solução? Só faria perder a graça e o sentido das únicas coisas que podemos saborear. Vamos saborear as páginas! Que tal?

É, eu sei, pequena... Nós dois podemos até ser apenas o reflexo das nossas almas. Pior: eu posso ser o reflexo dos devaneios da sua alma! Imagina, então... é o seu pior receio. Mas ele nunca se confirmará, porque, sem ofensas, você é ignorante – como eu já disse. “Que benção”? O que é pior: o medo de ser eterno ou realmente ser eterno?

O seu medo da eternidade é medo da solidão. E se você for uma e o resto for criação sua, na busca por companhia para um momento?

Aninha, o que eu quero mostrar é que o pior é o medo. Sim, o receio. Esquece o medo! Passa a ignorá-lo como você ignora as respostas. Temer uma dúvida é uma verdadeira tragédia. Prefira um romance ou uma comédia à tragédia! Aliás, Ana, quando for chorar novamente, pare e lembre-se de mim. Então, escreva! Sobre o que? Ora...

Olhe pro mar de novo. Ele é eterno, não é? Não é assim que você o vê? Escreve sobre a eternidade dele, coitado. Investigar o sofrer é um exercício de existência. Exista.

Agora eu peço perdão. Ai, desculpa por fazê-la chorar. Não queria deixá-la assim, mas é preciso. Devo voltar ao resto. Não posso apenas escrever pra sempre. Tenho que trabalhar, sabe. Perdão por deixá-la nessas páginas, eterna.

Mas escreve também, Ana. Investigue o mar! Exista!

Não tenha medo da sua eternidade.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Eis a minha religião

... a conjectura da união infinita de aquários

Nasceu, diz-se, um peixe que podia pensar, no sentido mais humano da coisa. Gastava seu tempo pensando, e acreditava que assim estava mais próximo da existência correta que seus familiares "irracionais".

Um dia, um familiar querido morreu. Depois do abatimento pela sensação de perda, reparou que os outros peixes não perceberam a magnitude daquele acontecimento. Entendeu, como que numa confissão que a Natureza lhe fazia: como aquele, muitos já tinham vindo e ido, como se todos nada fossem. Ele, um dia, também nada seria.

Nesse mundo de crueldade pisciana nada astrológica, muitos já tinham vivido, copulado, sido importantes para seus familiares, e hoje... hoje não havia rastro deles! 

Espantado com tal conclusão, passou a atentar às outras curiosidades do dia-a-dia. Ateve-se a uma em especial: sua alimentação. É, bem aquilo que fazia impulsivamente todos os dias, assim como seus amigos-peixes irracionais. Exatamente uma das pequenas coisas que o faziam, ainda, peixe.

Reparou, intrigado, o fato de que todos os dias surgia comida por aí. Estranho era que a chegada da refeição era marcada por um fenômeno natural: as cores do infinito mudavam, e surgiam formas engraçadas.

Ah sim! "Infinito" foi como resolveu chamar o limite do seu ir e vir, da sua percepção normal. Não significava o sem-fim. Infinito era o que havia além do que ele poderia alcançar. Além de até onde conseguia nadar. As imagens vindas de lá eram distorcidas, tristemente indecifráveis. Não esperava ter explicações lógicas obvias para o além. Provavelmente não cabia à sua existência dar-se conta daquilo (quanto mais compreendê-lo), assim como não era naturalmente arquitetado que seu nível de consciência fosse o que veio a ser.

Algo de diferente acontecia naquele Infinito. Fosse o que fosse, lhe permitia viver. Peixe sabia disso, e temia que Aquilo que lá se mexia e lhe dava o necessário para a subsistência se esquecesse dele, ou pior: parasse de gostar dele. Deu-Lhe um nome, que não "Aquilo", pois chamar tão banalmente uma coisa que lhe era tão vital parecia uma heresia. Chamou de "Homem".

Homem nunca falhou. Peixe morreu antes que lhe faltasse comida. Ele não foi o único.

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Nasceu, diz-se, um Homem capaz de estudar a si próprio, e investigar a Natureza. Contemplava o Infinito desejoso de respostas.

Chamava de Infinito aquilo que parecia fugir-lhe à compreensão; justamente pela forte intuição de que não era o planejado da Natureza ter o além ao alcance da percepção humana.

O Homem deu o nome de Deus àquilo que fazia as partículas subatômicas permanecerem unidas, os buracos negros se formarem  - e manterem, quem sabe, coesas as galáxias -, as estrelas nascerem, e o mais importante de tudo... Todos esses fatos serem tão estáveis e duradouros comparados ao seu tempo de vida que pareciam-lhe eternos. Ah, a eternidade...

Morreu sem que Deus faltasse um dia sequer. Ele não foi o único.

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Nasceu, diz-se, um Deus capaz de...

Chamava de Infinito...

Deus deu o nome de ...

Morreu sem que ...

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Esses infinitos aquários encaixados, com um nível comum a todos, e com limites exteriores se expandindo sem fim, talvez sejam movidos por um único e comum elemento. A energia que faz as partículas permanecerem juntas, o Homem alimentar o peixe, etc.

Há, com certeza, quem após isso possa dar prontamente um nome carregado de clichê a essa energia, mas que talvez seja interessante adotar: Amor. Nenhum caso particular chamado amor, mas o caso geral dele: o Sem-Porquê, extremamente passível de ser confundido com o Acaso, ou com a ordem no caos.

É uma teoria não verificável, uma questão de fé. A mim, pelo menos, ela leva a buscar outros níveis de consciência na esperança de ter uma visão mais completa, mas ainda não exotérica do que eu chamo vida.


E é com um tom de reencontro com o blog, que encerro essa quase Homilia.