quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Dos caminhos que não se pode fazer a pé, só engatinhando


(preciso confessar)

eu tenho medo do escuro.

Quando todos se deitam, e sobra algo para fazer, faço correndo. Passo a chave pela última vez na porta, coloco o copo vazio na pia, desligo a luz e vou o mais rápido que posso para a cama. Minha última lembrança sempre é de que lá estou seguro. seguro para morrer. Não corro de monstros, não corro de bandidos, de fantasmas… corro para os fantasmas, que já estão à minha espera. Eles não têm forma, não têm porquê, mas sabem me encontrar.

E encontram:

Não sei explicar, mas acontece comigo. eu encaro o teto e sinto que ele vai me engolir, me punindo por ser tão pequeno. Pouco importa se pequeno ambicioso ou pequeno conformado. sou pequeno e mereço ser engolido! Parece que tudo que já fiz escapulirá pelas minhas mãos, e que não há tempo para mais nada. Nem tempo, nem chance: sou pequeno, e ainda serei pequeno no último segundo. E não há o que possa fazer, porque os pequenos nada fazem. Estão sempre engatinhando e é assim que vou também: engatinho.

(E preciso poder ir pra onde quiser. engatinhando.) A instabilidade pune.

sou instável, e por isso não fico de pé. eu consigo me apoiar em algo e escalar debilmente, mas olho para o lado de relance e o apoio some. Não sou estável! Não posso ficar em pé sozinho e já engatinho de novo. É deprimente. Mas há algo nisso que eu gosto: os tombos são sempre novos, e eu prefiro tombar a fechar os olhos e acreditar que o apoio está sempre ali.

E é por isso que eu busco a leveza. Já não sou estável. Se não for leve também... serei deselegante; os tombos serão como estrondos e sacudirão mais do que devem. É preciso ser leve, para que os tombos sejam suaves, e eu possa sentí-los. Devagar, devagar…

(disse que abro os olhos e os apoios somem.) Não serei tão precipitado: nem todos são tão imediatos. Há os outros. É singular cada vez que dois engatinham e se apóiam para conseguirem ficar de pé. É um apoio diferente. Não é uma crença, não é eterno. Bem sei que eles também sumirão, ou irão embora. Talvez queiram engatinhar de novo. Se tudo for leve, cairão feito plumas. Dois parecerão novamente um e um, para quem olha desatento. E eu também caio. É tão bom…

Não posso perder a leveza e pintar os outros de crenças. Pintar os outros de imóveis, absurdo: somos pequenos, nunca deixamos de ser. Não poderia esquecer que estou aqui para engatinhar. (Por um segundo já esqueci.) A falsa sensação que eu tenho ao estar apoiado, de pé.

Como é difícil estar bem com isso! buscava ficar de pé, pensar como quem anda. E agora… corro para a cama para ser quem eu devo ser. Para ter medo, e ser engolido. (quero estar de pé; quero engatinhar). E no último segundo estarei pequeno, engatinhando. Finalmente engolido.

Já quando engatinho, tenho tanta vergonha do que me importava quando estava de pé! fico corado sozinho só de pensar naquelas besteiras. E as besteiras me olham com tom de reprovação. Elas me acham louco. Tentam me capturar, mas não será agora. fujo por entre suas pernas apoiadas tão fragilmente.

O que vale aquilo tudo, afinal? (E é quando estou engatinhando que) olho pra cima, vejo aqueles que estão apoiados em algo mais vazio, menor do que eles mesmos, achando que pequenos já não são mais. Olham pro chão com nojo, com arrogância (disfarço um riso: nos outros, nos outros!). engatinho embora. Não me importo.

Na minha instabilidade encontrei a leveza que procurava. E agora posso ficar de pé, e tombar. Parece até que o que é estável pesa. Será que o é porque assim cai-se mais rápida e duramente, a fim de lembrar-se de engatinhar? Há quem não lembre. Há quem não lembre de ficar em pé. Não me fecho.

Já dormi.

sonho.

Estou de pé e não consigo tombar.

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Acordo de pé, mas minhas pernas tremem. Ando, me apoiando, um dia inteiro. Minhas pernas tremem. caio de joelhos. (Ufa.) engatinhando vai demorar bem mais pra chegar até lá.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Minhas já tradicionais ausências...

Esse texto é escrito sem rascunho. É a razão das minhas razões. Não quero fazer "metanada", mas fugindo ao rumo ficcional devo dizer que estar ausente da escrita faz quase parte da minha existência. Eu só não queria que fizesse, não preciso explicar o porquê.

Acho, todavia, que um porquê eu posso dizer agora. O porquê da minha ausência. Esse porquê está no olhar. No meu, ou no dos outros, eu não sei. Acho que é no meu, mas só acho. É aquela diferença entre imaginar uma pessoa correndo sábado à noite porque tem seus problemas, ou simplesmente ver uma pessoa correndo sabado à noite. Talvez a diferença também entre fugir do olhar que cruza quando se anda na rua e fixar o olhar sem fugir como quem quer saber "o que você vai me contar, hein...". É, finalmente, a diferença entre saborear os momentos, vivê-los, deixando que eles fiquem ali no instante e ir atrás deles, imaginar - o que não quer dizer deixar de saborear também, mas não ficar só nisso. Nenhuma postura é superior à outra, só que uma não alimenta com aquela ração diária necessária minha produção escrita. Acho que é isso que eu chamo de criatividade. Uma mistura de experiências com um olhar crítico e curioso. Não existe nada místico além disso. E por um tempo isso me faltou. Nenhum texto veio à luz, ficaram todos escondidos em um caderno escuro - muito bonito e convidativo, mas ainda escuro -, e é possível que alguns venham à luz nos próximos dias.

Com essa satisfação prestada, fico também no aguardo por dias guiados por um outro olhar.

domingo, 5 de julho de 2009

Mais um...

Mais um fruto da disposição que toma conta de mim antes de dormir. Incrível. Ela só não tem sido muito eficaz.

Mar e Ana

Vem cá, menina, não chore. Deixe-me ver seu rosto. É, você é linda chorando. E feliz? Vai me dar a chance de descobrir?

Hum?! Isso foi um sorriso? Não escutei o que você disse. Tome coragem, bote pra fora o que a incomoda. Não quer contar?

Então vem comigo, me dê a mão. Vou mostrar o mar pra você.

Pode vê-lo? É claro que pode. O que achou? Pensando bem, não serei precipitado. Encare-o por um tempo, e aproveite para falar da sua angústia.

Entendo bem. É, sim, compreendo o que quer dizer. Agora, pegue este lenço e enxugue o rosto que, apesar de tudo, eu já estou ficando nervoso de ver seu rostinho assim.

Certo, pronto. Moça... Moça? Não, espere... Seu nome? ... Ana? Bonito. Mas que absurdo, Ana, veja só: fui saber antes o nome dos seus problemas que o seu próprio. Injusto, injusto.

Mas sabe, Ana... Que complicado! Como vou explicar? Não há como você saber se você está certa. Não há provas. Na verdade, querida, não há provas de que exista ou não qualquer prova. Percebe a gravidade das coisas? Não há uma forma eficaz e indubitável de chegar a qualquer resposta. O fundamento dos nossos pensamentos é a ignorância!, o complexo ignorar de tudo que não nos é tangível. Aí está: nada é tangível.

Nós somos personagens de um livro. O que personagens podem saber da verdade? Nada! Nunca vão ter uma visão além das páginas. Então por que se perturbar com algo sem solução? Só faria perder a graça e o sentido das únicas coisas que podemos saborear. Vamos saborear as páginas! Que tal?

É, eu sei, pequena... Nós dois podemos até ser apenas o reflexo das nossas almas. Pior: eu posso ser o reflexo dos devaneios da sua alma! Imagina, então... é o seu pior receio. Mas ele nunca se confirmará, porque, sem ofensas, você é ignorante – como eu já disse. “Que benção”? O que é pior: o medo de ser eterno ou realmente ser eterno?

O seu medo da eternidade é medo da solidão. E se você for uma e o resto for criação sua, na busca por companhia para um momento?

Aninha, o que eu quero mostrar é que o pior é o medo. Sim, o receio. Esquece o medo! Passa a ignorá-lo como você ignora as respostas. Temer uma dúvida é uma verdadeira tragédia. Prefira um romance ou uma comédia à tragédia! Aliás, Ana, quando for chorar novamente, pare e lembre-se de mim. Então, escreva! Sobre o que? Ora...

Olhe pro mar de novo. Ele é eterno, não é? Não é assim que você o vê? Escreve sobre a eternidade dele, coitado. Investigar o sofrer é um exercício de existência. Exista.

Agora eu peço perdão. Ai, desculpa por fazê-la chorar. Não queria deixá-la assim, mas é preciso. Devo voltar ao resto. Não posso apenas escrever pra sempre. Tenho que trabalhar, sabe. Perdão por deixá-la nessas páginas, eterna.

Mas escreve também, Ana. Investigue o mar! Exista!

Não tenha medo da sua eternidade.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Eis a minha religião

... a conjectura da união infinita de aquários

Nasceu, diz-se, um peixe que podia pensar, no sentido mais humano da coisa. Gastava seu tempo pensando, e acreditava que assim estava mais próximo da existência correta que seus familiares "irracionais".

Um dia, um familiar querido morreu. Depois do abatimento pela sensação de perda, reparou que os outros peixes não perceberam a magnitude daquele acontecimento. Entendeu, como que numa confissão que a Natureza lhe fazia: como aquele, muitos já tinham vindo e ido, como se todos nada fossem. Ele, um dia, também nada seria.

Nesse mundo de crueldade pisciana nada astrológica, muitos já tinham vivido, copulado, sido importantes para seus familiares, e hoje... hoje não havia rastro deles! 

Espantado com tal conclusão, passou a atentar às outras curiosidades do dia-a-dia. Ateve-se a uma em especial: sua alimentação. É, bem aquilo que fazia impulsivamente todos os dias, assim como seus amigos-peixes irracionais. Exatamente uma das pequenas coisas que o faziam, ainda, peixe.

Reparou, intrigado, o fato de que todos os dias surgia comida por aí. Estranho era que a chegada da refeição era marcada por um fenômeno natural: as cores do infinito mudavam, e surgiam formas engraçadas.

Ah sim! "Infinito" foi como resolveu chamar o limite do seu ir e vir, da sua percepção normal. Não significava o sem-fim. Infinito era o que havia além do que ele poderia alcançar. Além de até onde conseguia nadar. As imagens vindas de lá eram distorcidas, tristemente indecifráveis. Não esperava ter explicações lógicas obvias para o além. Provavelmente não cabia à sua existência dar-se conta daquilo (quanto mais compreendê-lo), assim como não era naturalmente arquitetado que seu nível de consciência fosse o que veio a ser.

Algo de diferente acontecia naquele Infinito. Fosse o que fosse, lhe permitia viver. Peixe sabia disso, e temia que Aquilo que lá se mexia e lhe dava o necessário para a subsistência se esquecesse dele, ou pior: parasse de gostar dele. Deu-Lhe um nome, que não "Aquilo", pois chamar tão banalmente uma coisa que lhe era tão vital parecia uma heresia. Chamou de "Homem".

Homem nunca falhou. Peixe morreu antes que lhe faltasse comida. Ele não foi o único.

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Nasceu, diz-se, um Homem capaz de estudar a si próprio, e investigar a Natureza. Contemplava o Infinito desejoso de respostas.

Chamava de Infinito aquilo que parecia fugir-lhe à compreensão; justamente pela forte intuição de que não era o planejado da Natureza ter o além ao alcance da percepção humana.

O Homem deu o nome de Deus àquilo que fazia as partículas subatômicas permanecerem unidas, os buracos negros se formarem  - e manterem, quem sabe, coesas as galáxias -, as estrelas nascerem, e o mais importante de tudo... Todos esses fatos serem tão estáveis e duradouros comparados ao seu tempo de vida que pareciam-lhe eternos. Ah, a eternidade...

Morreu sem que Deus faltasse um dia sequer. Ele não foi o único.

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Nasceu, diz-se, um Deus capaz de...

Chamava de Infinito...

Deus deu o nome de ...

Morreu sem que ...

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Esses infinitos aquários encaixados, com um nível comum a todos, e com limites exteriores se expandindo sem fim, talvez sejam movidos por um único e comum elemento. A energia que faz as partículas permanecerem juntas, o Homem alimentar o peixe, etc.

Há, com certeza, quem após isso possa dar prontamente um nome carregado de clichê a essa energia, mas que talvez seja interessante adotar: Amor. Nenhum caso particular chamado amor, mas o caso geral dele: o Sem-Porquê, extremamente passível de ser confundido com o Acaso, ou com a ordem no caos.

É uma teoria não verificável, uma questão de fé. A mim, pelo menos, ela leva a buscar outros níveis de consciência na esperança de ter uma visão mais completa, mas ainda não exotérica do que eu chamo vida.


E é com um tom de reencontro com o blog, que encerro essa quase Homilia.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Eu me explico

Não encarem, por favor, como mensagem de natal da Globo.

Esse texto foge um pouco ao estilo dos últimos. Infeliz ou felizmente, sabe-se lá, saiu diferente mesmo. Tentei mudar, mas foi assim que ele respirou. Tem um tom mais comunicativo, de aviso, de sensibilização do que de leitura, de contemplação. Não sou avô, mas se puderem, reflitam.

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Era

ou cônica do masoquismo

Há péssimas boas idéias. É verdade, não há boa idéia que se não for tratada não definhe. Não é necessário mudá-la, basta tratá-la.

Jantar naquele lugar de sempre, excelente, luxo de poucos que trabalham ou trabalharam muito. A horrível, deplorável boa idéia deles foi essa, justamente.

Pediram o mesmo prato de sempre, o garçom já lhes veio com a simpatia especial: eram antigos clientes.

Era tudo bom, como havia de ser. Antes não fosse! O inferno nem sempre está abaixo. Nesse encontro em que as mastigadas são as palavras, o sim é o não. Os pescoços estavam imóveis, traindo-se com a novela que passava na TV do estabelecimento. As mãos cortavam às cegas a comida e a entregavam ao destino... Que cena!

Ah! Antes estivesse tudo errado, o salmão mal temperado, ou o garçom viesse com grosserias. Poderiam então se olhar, cúmplices naquela insatisfação e na urgência de buscar uma solução conjunta. Abririam os ouvidos - essas portas que alguns teimam em fechar - um para o outro.

Mas por que ficaram assim? Como foi possível? Foi porque acharam que deveria ser. Era o certo. Todo o esforço para ter essa estabilidade e poder ver TV e comer até o fim. E cuidar dos netos de vez em quando.

Tinham certeza, sim. Certeza de Muito Vivido, que bate o pé e não cede. Talvez estivessem convencidos de que aquilo era felicidade. Ninguém poderia lhes dizer o contrário. Quem sabe fosse felicidade mesmo; alguém teria coragem de atentar contra a alegria do outro? No entanto, talvez... uma reflexão nunca faz mau. Talvez se o cozinheiro tivesse se enganado, ou o garçom errado, teriam feito um favor.

Um grande favor que lhes causaria espanto, indignação... só que no fim perceberiam e seriam gratos de alguma forma. E por "fim" não se deve pensar O Fim, porque esse, graças à descoberta que fariam, estaria longe como há anos não estivera.

O restaurante perdeu, naquela noite, a chance de prestar o melhor serviço de todos... mas não nos esqueçamos.

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Por favor, não saiam jogando suco de uva nas pessoas que estiverem sentadas em restaurantes vendo TV. Pensem, e feliz natal!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Ai.

Esse doeu pra sair em sua "versão final". Depois da leitura de alguns beta-testers, resolvi fazer minhas próprias modificações, e corrigir as falhas geradas pela digitação do meu teclado que já está dando entrada no pedido de aposentadoria (já contratamos substitutos jovens e capacitados).

Quero falar com você


"É... mas como o tempo passa!" - aquela conversa de sempre.
"É..."
"Olha só quantos anos passaram desde aquele acidente!"
"Qual deles? A gente hoje em dia só sabe de acidente."
"Sabe que quando eu ligo a TV, sei que verei dois tipos de coisa: acidente e reportagens sobre nós mesmos."
"Não entendi... 'nós mesmos'?"
"Eu entendo o que você quer dizer."

Todos levantaram a cabeça. Era o primeiro Natal no qual ele se manifestava. Prosseguiu:

"Tá tudo uma bosta. Não dá pra fugir disso. Aí eles botam essas reportagens sobre culinária, sei lá, sobre os jovens ou algo assim para que não nos esqueçamos de sermos nós mesmos, não nos rebelemos. Mas eles também se enganam."
"É... Tá certo..."

Era sempre assim que acabava, por isso que não se manifestava. Ficou surpresa que o rapaz o fizesse. Preferia-o quando ele era pequeno: brincava e abria a boca para falar coisas com sentido. Agora ele faria parte do grupo que falava "d'eles", essas pessoas que ninguém sabe quem são, mas sempre se fala delas. Todos extremamente convencidos de que estão sendo enganados, inebriados por um tipo de SOMA, e ainda assim assistem novela, falam da vida dos outros e tomam café.

Já não pedia mais ao seu Querido que fosse à ceia da sua família. Ficava lá por pouco tempo mesmo, presente só para não magoar a velhice de ninguém. Não podia mais com esses papos de entendidos. Ela era burra, irônica, e alienada.

Correu a mão pela testa para limpar o suor que não existia, mas estava ali. Como foi penoso ficar lá. Entrou no carro e quando estava dando a partida, seu celular começou a tocar. Olhou a identificação de chamada: sua mãe. Ah, não. Ele já estaria, a essa altura, preparando um incrível jantar no quarto e sala modesto em tamanho, mas bem equipado pelos dois. Tocou de novo o celular. Tirou-lhe o som, não queria atender. Chega de boa ação natalina.

Agradeceu por ser Natal. Pôde viajar à sua maneira por um caminho do tamanho que bem entendesse. Idas e vindas em um espaço inabitado, eternamente naquela noite, sem sombra de piedade ou tal-amor. Ondas vão e vêm e não se sabe porquê. Há quem diga que há uma ordem física, mas complexa demais para o estudo humano, uma ordem realmente caótica. Outros falam de deuses. Não é a mesma coisa? Ela acreditava nele, e em quase mais nada. Isso que importava. É impossível viver sem acreditar, e, no fim, é pura fé mesmo. A pedância dos Homens fê-los crer que é possível explicar-se. Por isso gostava das crianças. Gostava dele por isso também. Sempre soube que ele acreditava nela porque precisava disso. Queria estar com ela, e se duvidasse não poderia. O mesmo valia para ela, claro. Essa é a face da verdadeira confiança. No fim, tudo é fruto de uma pirraça infantil. Não há convencimento real. Nossa lógica é, encaremos, emocional.

Deu-se por Querida e acordou. O caminho acabara e o elevador foi rápido. Os braços dele bem sabiam como ela estivera sozinha e envolveram-na como da vez primeira. Quando o único sentido se fez, puderam fazer seu Natal.

Não sabia se no fundo ele era tão desacreditado quanto ela. Com certeza era influcienciado, é inevitável. A grande questão de perceber-se alieando é a consequência imprevisível. Depende, quem sabe, de uma pré-disposição, ou de outra inexplicação. É bem possível que tudo se revele grandioso, porque a surpresa de ser diante de tamanho vazio teatral é bela. Tudo podia não ser. Todavia, é possível que o ar fique denso e seco, o corpo pese e o metabolismo se inverta. É como estar envolto em uma gelatina amorfa e quente.

Ela tinha um ar triste, mas não era o corpo às avessas.

No dia seguinte ligou para sua mãe. Não podia fingir, afinal, que nunca soube da chamada perdida. Por um instante que demorou a passar temeu pela sua alienação. Por que mamãe teria insistido tanto em ligar se cinco minutos antes estiveram juntas? Temeu porque se encolheu ao pensar na possibilidade daquela não mais ligar, talvez sua velhice cansasse de estar. Sua alienação parecia fugir das suas mãos e a tal gelatina dissolvia-se em nada. Era medo de ver que não podia fugir de uma realidade - paralela a tudo - que o Humano criara. É bem verdade que não gostava da gelatina, não se sentia bem, mas com ela não havia apego, pelo menos. Não com certos laços que dão medo. Dão medo e fazem chorar, só.

"Oi, filha!"

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

mais um pequeno texto...


e se fosse terça?

Nunca pensou que correria sábado à noite. Não houve, no entanto, alternativa melhor para sair do marasmo deprimente no qual se encontrava..

Que tenha passado outras noites de sábado só... Isso é obvio. Mas há vezes em que a solidão ultrapassava os limites suportáveis.

Escolheu a Lagoa. Levou um aparelho para ouvir música e o telefone celular na esperança de receber aquela ligação que poria fim a toda essa bobagem metafísica.

Começou a corrida ouvindo jazz, estilo que muito combinava com o ambiente a sua volta. A estranha neblina noturna não respeitava o seu limite e trespassava sem dó, mas com delicadeza, seu corpo. Sentia-se inexistente. Não mais só como pessoa, mas só como uma vida em meio a tantas outras coisas. Essa nova realidade mudou tudo: que importava um sábado à noite só? Que fosse assim, tão melhor nessa breve parte de sua não-existência.

Os carros passavam mais rápido que corria em seu ritmo constante. As luzes dos faróis se misturavam, chegando aos seus olhos fracas e indefinidas. O barulho do movimento mecânico já era uma trilha sonora melhor que o jazz – era música do mais refinado tipo. A água escura – esqueça-se que poluída – da Lagoa em leves ondulações... Ah, o que é sábado à noite? Qual a importância disso tudo?!

Prestes a iniciar um movimento eterno, circular como o local e as idéias impunham, avistou uma parte da Lagoa em que havia restaurantes, ali mesmo, entre os caminhos a serem percorridos. De súbito, surgiram pessoas, muitas pessoas. Tal qual a luz agressiva que invade a escuridão, aqueles tomaram sua solidão.

Nem um pouco vexados por desrespeitar o espaço particular de alguém, não se deram por satisfeitos e ainda foram em grupos de dois! Casais? Triste para quem corresse só – sinceramente, quem o faria a essa hora? -, mas se fosse perguntar-lhes... diriam: "Sim, estamos juntos", com um sorriso bobo e distraído de quem vive um bom sábado à noite.

Parou de correr, porque sua calma solidão já não mais existia. Fora muito exigente... que correspondência, que nada! Que seja! Pegou o celular e re-discou um número recente:

"Querido... Não dá, eu topo sua sugestão. Esquece o que eu disse. Cê ainda pode??"

Foi para casa se arrumar. Ai, como dói essa bobagem metafísica. Naquele sábado amaria.


E amou. Amou como a Lagoa e os carros passando a ordenaram, mas ela custou tanto a ouvir... Amou como pessoa.