(preciso
confessar)
eu tenho medo do
escuro.
Quando todos se
deitam, e sobra algo para fazer, faço correndo. Passo a chave pela última vez
na porta, coloco o copo vazio na pia, desligo a luz e vou o mais rápido que
posso para a cama. Minha última lembrança sempre é de que lá estou seguro. seguro
para morrer. Não corro de monstros, não corro de bandidos, de fantasmas… corro
para os fantasmas, que já estão à minha espera. Eles não têm forma, não têm
porquê, mas sabem me encontrar.
E encontram:
Não sei
explicar, mas acontece comigo. eu encaro o teto e sinto que ele vai me engolir,
me punindo por ser tão pequeno. Pouco importa se pequeno ambicioso ou pequeno
conformado. sou pequeno e mereço ser engolido! Parece que tudo que já fiz escapulirá
pelas minhas mãos, e que não há tempo para mais nada. Nem tempo, nem chance:
sou pequeno, e ainda serei pequeno no último segundo. E não há o que possa
fazer, porque os pequenos nada fazem. Estão sempre engatinhando e é assim que
vou também: engatinho.
(E preciso poder
ir pra onde quiser. engatinhando.) A instabilidade pune.
sou instável, e
por isso não fico de pé. eu consigo me apoiar em algo e escalar debilmente, mas
olho para o lado de relance e o apoio some. Não sou estável! Não posso ficar em
pé sozinho e já engatinho de novo. É deprimente. Mas há algo nisso que eu gosto:
os tombos são sempre novos, e eu prefiro tombar a fechar os olhos e acreditar
que o apoio está sempre ali.
E é por isso que
eu busco a leveza. Já não sou estável. Se não for leve também... serei
deselegante; os tombos serão como estrondos e sacudirão mais do que devem. É
preciso ser leve, para que os tombos sejam suaves, e eu possa sentí-los. Devagar,
devagar…
(disse que abro
os olhos e os apoios somem.) Não serei tão precipitado: nem todos são tão
imediatos. Há os outros. É singular cada vez que dois engatinham e se apóiam
para conseguirem ficar de pé. É um apoio diferente. Não é uma crença, não é
eterno. Bem sei que eles também sumirão, ou irão embora. Talvez queiram
engatinhar de novo. Se tudo for leve, cairão feito plumas. Dois parecerão
novamente um e um, para quem olha desatento. E eu também caio. É tão bom…
Não posso perder
a leveza e pintar os outros de crenças. Pintar os outros de imóveis, absurdo:
somos pequenos, nunca deixamos de ser. Não poderia esquecer que estou aqui para
engatinhar. (Por um segundo já esqueci.) A falsa sensação que eu tenho ao estar
apoiado, de pé.
Como é difícil
estar bem com isso! buscava ficar de pé, pensar como quem anda. E agora… corro
para a cama para ser quem eu devo ser. Para ter medo, e ser engolido. (quero estar
de pé; quero engatinhar). E no último segundo estarei pequeno, engatinhando.
Finalmente engolido.
Já quando
engatinho, tenho tanta vergonha do que me importava quando estava de pé! fico corado
sozinho só de pensar naquelas besteiras. E as besteiras me olham com tom de
reprovação. Elas me acham louco. Tentam me capturar, mas não será agora. fujo
por entre suas pernas apoiadas tão fragilmente.
O que vale
aquilo tudo, afinal? (E é quando estou engatinhando que) olho pra cima, vejo
aqueles que estão apoiados em algo mais vazio, menor do que eles mesmos,
achando que pequenos já não são mais. Olham pro chão com nojo, com arrogância
(disfarço um riso: nos outros, nos outros!). engatinho embora. Não me importo.
Na minha
instabilidade encontrei a leveza que procurava. E agora posso ficar de pé, e
tombar. Parece até que o que é estável pesa. Será que o é porque assim cai-se
mais rápida e duramente, a fim de lembrar-se de engatinhar? Há quem não lembre.
Há quem não lembre de ficar em pé. Não me fecho.
Já dormi.
sonho.
Estou de pé e
não consigo tombar.
---
Acordo de pé,
mas minhas pernas tremem. Ando, me apoiando, um dia inteiro. Minhas pernas
tremem. caio de joelhos. (Ufa.) engatinhando vai demorar bem mais pra chegar
até lá.
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