quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Eu me explico

Não encarem, por favor, como mensagem de natal da Globo.

Esse texto foge um pouco ao estilo dos últimos. Infeliz ou felizmente, sabe-se lá, saiu diferente mesmo. Tentei mudar, mas foi assim que ele respirou. Tem um tom mais comunicativo, de aviso, de sensibilização do que de leitura, de contemplação. Não sou avô, mas se puderem, reflitam.

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Era

ou cônica do masoquismo

Há péssimas boas idéias. É verdade, não há boa idéia que se não for tratada não definhe. Não é necessário mudá-la, basta tratá-la.

Jantar naquele lugar de sempre, excelente, luxo de poucos que trabalham ou trabalharam muito. A horrível, deplorável boa idéia deles foi essa, justamente.

Pediram o mesmo prato de sempre, o garçom já lhes veio com a simpatia especial: eram antigos clientes.

Era tudo bom, como havia de ser. Antes não fosse! O inferno nem sempre está abaixo. Nesse encontro em que as mastigadas são as palavras, o sim é o não. Os pescoços estavam imóveis, traindo-se com a novela que passava na TV do estabelecimento. As mãos cortavam às cegas a comida e a entregavam ao destino... Que cena!

Ah! Antes estivesse tudo errado, o salmão mal temperado, ou o garçom viesse com grosserias. Poderiam então se olhar, cúmplices naquela insatisfação e na urgência de buscar uma solução conjunta. Abririam os ouvidos - essas portas que alguns teimam em fechar - um para o outro.

Mas por que ficaram assim? Como foi possível? Foi porque acharam que deveria ser. Era o certo. Todo o esforço para ter essa estabilidade e poder ver TV e comer até o fim. E cuidar dos netos de vez em quando.

Tinham certeza, sim. Certeza de Muito Vivido, que bate o pé e não cede. Talvez estivessem convencidos de que aquilo era felicidade. Ninguém poderia lhes dizer o contrário. Quem sabe fosse felicidade mesmo; alguém teria coragem de atentar contra a alegria do outro? No entanto, talvez... uma reflexão nunca faz mau. Talvez se o cozinheiro tivesse se enganado, ou o garçom errado, teriam feito um favor.

Um grande favor que lhes causaria espanto, indignação... só que no fim perceberiam e seriam gratos de alguma forma. E por "fim" não se deve pensar O Fim, porque esse, graças à descoberta que fariam, estaria longe como há anos não estivera.

O restaurante perdeu, naquela noite, a chance de prestar o melhor serviço de todos... mas não nos esqueçamos.

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Por favor, não saiam jogando suco de uva nas pessoas que estiverem sentadas em restaurantes vendo TV. Pensem, e feliz natal!

3 comentários:

Rubel Brisolla disse...

Sensacional!
O melhor de todos.
Parabéns companheiro Fraga.

fabiana disse...

muitos casais vivem assim, num silêncio acordado, achando que são felizes... a 'Certeza do Muito Vivido'. Bem colocado.

odarnoC disse...

Ficou muito bom o texto cara.

É realmente verdade que certas vezes precisamos de acontecimentos inesperados para completar certos eventos que acabam se tornando rotina.